CDU 336.m:338,43:SsOS3.52 POÚTICAS PUBLICAS DE FINANCIAMENTO RURAL NA AGRO-INDUSTRIA SUCRO-ALCOOLEIRA HENRIQUE LEVY Prof. Participante do Mestrado de Adm. Rural da UFRPE e Adjunto do Mestrado de Hist da Univ. Fed. de Pernambuco (UFPE). As Polfiicas Públicas de Financiamento Rural fazem parte da filosofia corporativista prevalecente no Estado brasileiro, que atinge e regula todas as relaçóes economicas da nação. O papel regulador do Estado brasileiro é a expressão dessa filosofia herdada da Revolução de 1930 e do Estado Novode 1937, de Getúlio Vargas. Como exemplo prático, este artigo aponta a regulamentaçáo da agro-indús- tria sucro-alcoo!eira cujo embasamento corporativista foi instituído pela criação em 1933, do Instituto do Açúcar e do Alcool (IAA) e pelo Estatuto da Lavoura Canavieira de 1941. Com o recente artigo do ex-ministro MARIO HENRIQUE SIMONSEN (1987) na revista Veja o debate público sobre o papel do Estado no financiamen- to das atividades econômicas adquire um novo diapasão. Ao dizer que "O capi- talismo caítorial é um crime contra os pobres, que se perpetra a margem de um mito: o do Estado como ente capaz de extrair recursos do nada" (:31), SIMON- SEN confirma o fato de que os conflitos sociais distributivos estão no âmago do aparelho de Estado. Entretanto, tais conflitos sociais inerentes as políticas de fi- nanciamento rural levados a efeito pelo Estado têm sido praticamente ignorados no debate público. Geralmente a tecnocracia de nossas agências governamentais e empresas públicas busca primordialmente a eficientizaçáo técnica do financia- mento rural, não atendendo para os conflitos políticos e sociais que permeiam a decisão favorável (ou desfavorável!) de conceder tais financiamentos. A agro-indústria sucro-alcooleira nos serve de exemplo da intervenção corpbrativista do Estado brasileiro, pois há mais de quatro décadas vem sendo regulada pelo Poder Público em praticamente todos os seus aspectos, desde a produção da cana-de-açúcar ate a estocagem do álcool carburante (LEVY, 1985). A regulamentação da agro-indústria sucro-alcooleira data de 1933, quan- Cad. Gmega Univ. Fed. Rural PE. SBr. Ci. Hum., Recife, (2):47-52, 1988 COU 33b.//.33b.43.35.073.52 POLÍTICAS PUBLICAS DE FINANCIAMENTO RURAL NA AGRO-INDUSTRIA SUCRO-ALCOOLEIRA HENRIQUE LEVY Prof. Participante do Mestrado de Adm. Rural da UFRPE e Adjunto do Mestrado de Hist da Univ. Fed. de Pernambuco (UFPE). As Políticas Públicas de Financiamento Rural farern parte da filosofia rorporativista prevalecente no Estado brasileiro, que atinge e regula todas as relações econômicas da nação. O papel regulador do Estado brasileiro é a expressão dessa filosofia herdada da Revolução de 1930 e do Estado Novode 1937, de Getúlio Vargas. Como exemplo prático, este artigo aponta a regulamentação da agro-indús- tria sucro-alcooleira cujo embasamento corporativista foi instituído pela criação em 1933, do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e pelo Estatuto da Lavoura Canavieira de 1941. Com o recente artigo do ex-ministro MÁRIO HENRIQUE SIMONSEN (1987) na revista Veja o debate público sobre o papel do Estado no financiamen- to das atividades econômicas adquire um novo diapasão. Ao dizer que "O capi- talismo cartorial é um crime contra os pobres, que se perpetra à margem de um mito: o do Estado como eme capaz de extrair recursos do nada" (:31), SIMON- SEN confirma o fato de que os conflitos sociais distributivos estão no âmago do aparelho de Estado. Entretanto, tais conflitos sociais inerentes às políticas de fi- nanciamento rural levados a efeito pelo Estado têm sido praticamente ignorados no debate público. Geralmente a tecnocracia de nossas agências governamentais e empresas públicas busca primordialmente a eficientização técnica do financia- mento rural, não atendendo para os conflitos políticos e sociais que permeiam a decisão favorável (ou desfavorável!) de conceder tais financiamentos. A agro-indústria sucro-alcooleira nos serve de exemplo da intervenção corpbrativista do Estado brasileiro, pois há mais de quatro décadas vem sendo regulada pelo Poder Público em praticamente todos os seus aspectos, desde a produção da cana-de-açúcar até a estocagem do álcool carburante (LEVY, 1985). A regulamentação da agro-indústria sucro-alcooleira data de 1933, quan- Cad. Ômega Univ. Fed Rural PE. Sér. Ci. Hum., Recife (2)'47-52, 1988 do da criação do Instituto do Açúcar e do Álcool, atingindo sua perfeição com o Decreto-Lei do Estatuto da Lavoura Canavieira, de 21 de novembro de 1941 ci- tado por BARBOSA LIMA SOBRINHO (1941). E este decreto que ela atinge o zê- nite do dirigismo estatal. A agro-indústria sucro-alcooleira 6 uma economia di- rigida por excelência, como veremos mais abaixo. O CONCEITO DA LIVRE EMPRESA PRIVADA Antes de adentrarmos nos aspectos políticos que permeiam o financia- mento da empresa rural torna-se indispensável entender como deve se proces- sar o financiamento dentro do marco da empresa privada capitalista. A concep- tualização de "financiamento rural" por parte do Estado requer uma contrapo- sição a filosofia da livre empresa. A livre empresa de propriedade privada ba- seia-se, segundo TODARO (1981 ), numa economia de mercado, governada por um sistema de preços que oscilam de acordo com a oferta e a procura. A empre- sa corporativista, recordemos, também é de propriedade privada, mas sua lucrati- vidade depende da intervenção do Estado nas relaçóes de mercado. Em suma, na economia capitalista o financianiento da produção é feito através do nieca- nismo de mercado no qual os preços devem ser suficientes para remunerar a mão-de-obra e o capital do investidor, permitindo a inovação tecnológica em fa- ce da concorrQncia nacional ou internacional. MARCO TEÓRICO DAS POLÍTICAS DE FINANCIAMENTO RURAL Neste ensaio apontamos os conflitos sociais que envolvem os õiversos ato- res da agro-indústria sucro-alcooleira. A perspectiva teórica e metodológica uti- lizada aqui é a elaborada por NICOS POULANTZAS (1973). A nossa perspectiva teórica é a de que a sociedade é dividida em classes sociais e suas frações de classe, que superam provisoriamente seus conflitos através de alianças políticas. MARCO HISTORICO: O CORPORATIVISMO FASCISTA É no clima do Estado Novo getuliano que o dirigismo estatal da agro- indústria canavieira é gerado, sob a influência da expansão do as cismo' na Eu- ropa Ocidental, particularmente na Alemanha, Espanha, ItAlia e Portugal. No ca- so de Portugal ". .. a organização corporativa portuguesa funcionou dentro da óptica de uma polltica antiindustrial I...] preocupada em preservar, quanto Cad. 6mega Univ. Fed. Rural PE. SBr. Ci. Hurn., Recife, (2):47-52, 1988 48 do da criação do Instituto do Açúcar e do Álcool, atingindo sua perfeição com o Decreto-Lei do Estatuto da Lavoura Canavieira, de 21 de novembro de 1941 ci- tado por BARBOSA LIMA SOBRINHO (1941). É este decreto que ela atinge o zê- nite do dirigismo estatal. A agro-índústria sucro-alcooleira é uma economia di- rigida por excelência, como veremos mais abaixo. O CONCEITO DA LIVRE EMPRESA PRIVADA Antes de adentrarmos nos aspectos políticos que permeiam o financia- mento da empresa rural torna se indispensável entender como deve se proces- sar o financiamento dentro do marco da empresa privada capitalista. A concep- tualização de "financiamento rural" por parte do Estado requer uma contrapo- sição à filosofia da livre empresa. A livre empresa de propriedade privada ba- seia-se, segundo TODARO (1981), numa economia de mercado, governada por um sistema de preços que oscilam de acordo com a oferta e a procura. A empre- sa corporativista, recordemos, também é de propriedade privada, mas sua lucrati- vidade depende da intervenção do Estado nas relações de mercado. Em suma, na economia capitalista o financiamento da produção é feito através do meca- nismo de mercado no qual os preços devem ser suficientes para remunerar a mão-de-obra e o capital do investidor, permitindo a inovação tecnológica em fa- ce da concorrência nacional ou internacional. MARCO TEÓRICO DAS POLÍTICAS DE FINANCIAMENTO RURAL Neste ensaio apontamos os conflitos sociais que envolvem os diversos ato- res da agro-indústria sucro-alcooleira. A perspectiva teórica e metodológica uti- lizada aqui é a elaborada por NICOS POULANTZAS (1973). A nossa perspectiva teórica é a de que a sociedade é dividida em classes sociais e suas frações de classe, que superam provisoriamente seus conflitos através de alianças políticas. MARCO HISTÓRICO: O CORPORATIVISMO FASCISTA É no clima do Estado Novo getuliano que o dirigismo estatal da agro- indústria canavieira é gerado, sob a influência da expansão do Fascismo1 na Eu- ropa Ocidental, particularmente na Alemanha, Espanha, Itália e Portugal. No ca- so de Portugal "... a organização corporativa portuguesa funcionou dentro da óptica de uma política antiindustrial [...] preocupada em preservar, quanto Cad. Omeaa Univ. Fed. Rural PE. Sér. Ci. Hum., Recife, (2):47-52,1988 possível, as modalidades econômicas e sociais de uma sociedade tradicional" (INCISA, 1986: 289). O corporativismo2 das relaçóes industriais da área canaviei- ra é propugnado por BARBOSA LIMA SOBRINHO (1941,1943) em meio a Grande Depressão econômica trazida pelo "crash" de 1929. E neste ambiente político que surge o Instituto do Açúcar e do Álcool, o IAA, para regular as relações econômicas na agro-indústria sucro-alcooleira, pois "... o ordenamento corpora- tivista brasileiro do Estado Novo de Vargas se inspira I...] na Carta do Trabalho fascista" italiano (INCISA, 1986: 291 ). É imprescindível ao entendimento histbrico das políticas de financiamento sucro-alcooleiro a perspectiva das classes sociais que atuavam (e ainda atuam) neste ramo industrial. O surgimento da fração de classe dos usineiros ao redor de 1870 vai definir uma mudança de longo alcance3 nas relações de classe em Pernambuco. Quando uma fração de classe, a dos donos-de-engenho com aces- so aos avais do estado de Pernambuco, garantidores de empréstimos europeus, "viram-se na contingência de assumirem diretamente o processo político de transição dos engenhos para as usinas" (MARTINS, 1987: 68) ficou selado o des- tino da vasta maioria dos donos-de-engenho menos poderosos. Eles se trans- formaram de produtores independentes de açúcar em tão-somente fornecedo- res de cana dependentes dos caprichos daquele punhado de donos-de-engenho prósperos que se tornaram donos das usinas. Com a ascensão do Fascismo na Europa, foram trazidos ao Estado Novo getuliano de 1937 os princípios doutrinários antisindicais, pois "O modelo cor- porativo defende a colaboração entre as classes ..." (INCISA, 1986: 287). O mode- lo ideolbgico propugnado por BARBOSA LIMA SOBRINHO (1941,1943) foi o de "congelar" as relações conflitantes entre fornecedores e usineiros através do di- rigismo estatal. Como "no Corporativismo fascista, as corporações estão subor- dinadas ao Estado, são órgãos do Estado" (INCISA, 1986: 289), a política de fi- nanciamento do Estado Novo visava a extinguir os conflitos de classe inerentes ao Capitalismo. O carrear de subsídios do Estado Novo (originários dos impos- tos e preços pagos pela massa do povo) a agro-indústria sucro-alcooleira apazi- guava as relações potencialmente conflitantes entre usineiros e seus fornecedo- res de cana.4 Como mencionado previamente, o modelo de .financiamento capitalista baseia-se na economia de mercado e num sistema de preços dependepte da oferta e da procura. No modelo corporativista existente na agro-indústria su- cro-alcooleira, o dirigismo estatal A o instrumento de financiamento utilizado, Cad. 6mega Univ. Fed. Rural PE. SBr. Ci. Hum., Recife, (2):47-52. 1988 49 possível, as modalidades econômicas e sociais de uma sociedade tradicional" (INCISA, 1986; 289). 0 corporativismo^ das relações industriais da área canaviei- ra é propugnado por BARBOSA LIMA SOBRINHO (1941,1943) em meio a Grande Depressão econômica trarida pelo "crash" de 1929. É neste ambiente político que surge o Instituto do Açúcar e do Álcool, o IAA, para regular as relações econômicas na agro-indústria sucro-alcooleira, pois "... o ordenamento corpora- tivista brasileiro do Estado Novo de Vargas se inspira [...] na Carta do Trabalho fascista" italiano (INCISA, 1986; 291). É imprescindível ao entendimento histórico das políticas de financiamento sucro-alcooleiro a perspectiva das classes sociais que atuavam (e ainda atuam) neste ramo industrial. O surgimento da fração de classe dos usineiros ao redor de 1870 vai definir uma mudança de longo alcance^ nas relações de classe em Pernambuco. Quando uma fração de classe, a dos donus-de-engenho com aces- so aos avais do estado de Pernambuco, garantidores de empréstimos europeus, "viram-se na contingência de assumirem diretamente o processo político de transição dos engenhos para as usinas" (MARTINS, 1987: 68) ficou selado o des- tino da vasta maioria dos donos-de-engenho menos poderosos. Eles se trans- formaram de produtores independentes de açúcar em tão-somente fornecedo- res de cana dependentes dos caprichos daquele punhado de donos-de-engenho prósperos que se tornaram donos das usinas. Com a ascensão do Fascismo na Europa, foram trazidos ao Estado Novo getuliano de 1937 os princípios doutrinários antisindicais, pois "O modelo cor- porativo defende a colaboração entre as classes..." (INCISA, 1986: 287). O mode- lo ideológico propugnado por BARBOSA LIMA SOBRINHO (1941,1943) foi o de "congelar" as relações conflitantes entre fornecedores e usineiros através do di- rigismo estatal. Como "no Corporativismo fascista, as corporações estão subor- dinadas ao Estado, são órgãos do Estado" (INCISA, 1986: 289), a política de fi- nanciamento do Estado Novo visava a extinguir os conflitos de classe inerentes ao Capitalismo. O carrear de subsídios do Estado Novo (originários dos impos- tos e preços pagos pela massa do povo) à agro-indústria sucro-alcooleira apazi- guava as relações potencialmente conflitantes entre usineiros e seus fornecedo- res de cana.4 ALTERNATIVA AO FINANCIAMENTO CAPITALISTA Como mencionado previamente, o modelo de financiamento capitalista baseia-se na economia de mercado e num sistema de preços dependente da oferta e da procura. No modelo corporativista existente na agro-indústria su- cro-alcooleira, o dirigismo estatal é o instrumento de financiamento utilizado, Cad. Ômega Univ. Fed. Rural PE. Sér. Ci. Hum., Recife, (2);47-52,1988 pois até mesmo os preços de varejo ao consumidor são regulados pelo Estado. O interesse preclpuo de evitar a expansão do capitalismo de livre mercado na agro-indústria sucro-alcooleira tem caráter claramente corporativista. Deixado a si mesmo, o capitalismo baseado n o mercado, no sistema de preços e na ino- vação tecnológica fatalmente acabaria dando 3s usinas a dominância de classe sobre fornecedores, finalmente expulsando-os do cultivo da cana. O dirigismo estatal, regulando minuciosamente as relações intrinsicamente conflitantes entre essas duas frações de classe, atinge o objetivo que Barbosa Lima Sobrinho pro- pugnava há cinco décadas: o de lutar contra a eliminação do plantador de cana, dos fornecedores. Para BARBOSA LIMA SOBRINHO (que já era presidente do IAA em 1938), a finalidade do IAA "era a de lutar contra [...I a eliminação do plantador e dos fornecedores [pois] seria u m crime [...I num Estado capitalista [...I que u m programa [governamental] reduzisse os produtores [fornecedores] de uma categoria social mais elevada para a simples condição de assalariados" (JUNGMANN, 1971: xv-xvi citado por LEVY, 1985: 109-10). O aspecto social da sustentação de uma fração de classe ultrapassada está portanto por trás das políticas de financiamento da agro-indústria sucro-alcooleira. Até o momento, a agro-indústria sucro-alcooleira tem sido beneficiada com a política corporativista de financiamento rural. Entretanto, devido ao som- brio horizonte que se abate sobre as finanças do Estado brasileiro é importante imaginar u m cenário em que a agro-indústria sucro-alcooleira seja vista despida do protecionismo regulamentado pelo IAA. A primeira conseqüência da ex- pansão tipicamente capitalista - constante modernização e inovação tecnológica - é que a estrutura de classes sociais congelada desde 1933 será alterada. A fração de classe dos fornecedores de cana que hoje intermedia a produção agrí- cola da cana certamente cessará de existir, finalmente sofrendo o destino daque- les donos-de-engenho que desde 1870 abandonaram o campo e se tornaram membros da pequena burguesia urbana. Somente os maiores dentre os forne- cedores de cana, grandes proprietários de terra, teriam condições de sobreviver na atividade agrícola. Pequenos arrendatários e parcebiros, estes o "lumpen- proletariat" dentre os fornecedores, iriam para a lata de lixo da História. Também a maioria dos 250.000 cortadores de cana teria igual sorte, pois a racio- nalização da atividade canavieira implica em máo-de-obra competente, portanto especializada, e em mecanização da colheta da cana e seu transporte até a estei- ra da usina (DANTAS, 1965). Portanto, o mero emprego da força muscular do cortador de cana não tem vez numa atividade industrial moderna. Por outro la- do, membros da oligarquia usineira que sobrevivem apenas dos repasses do IAA, devido a sua baixa produtividade na fabricação do açúcar elou do álcool, deverão se fundir com outras usinas, ou desaparecer do cenário. Cad. 6mega Univ. Fed. Rural PE. S r . Ci. Hum., Recife, (2):47-52, 1988 50 pois atè mesmo os preços de varejo ao consumidor são regulados pelo Estaoo. O interesse precípuo de evitar a expansão do capitalismo de livre mercado na agro-indústria sucro-alcooleira tem caráter claramente corporativista. Deixado a si mesmo, o capitalismo baseado no mercado, no sistema de preços e na ino- vação tecnológica fatalmente acabaria dando às usinas a dominân a de classe sobre fornecedores, finalmente expulsando-os do cultivo da cana. O dirigismo estatal, regulando minuciosamente as relações intrinsicamente conf antes entre essas duas frações de classe, atinge o objetivo que Barbosa Lima Sobrinho pro- pugnava há cinco décadas: o de lutar contra a eliminação do plantador decana, dos fornecedores. Para BARBOSA LIMA SOBRINHO (que já era presidente do IAA em 1938), a finalidade do IAA "era a de lutar contra [...] a eliminação do plantador e dos fornecedores [pois1 seria um crime [...] num Estado capitalista [...] que um programa [governamental] reduzisse os produtores [fornecedores] de uma categoria social mais elevada para a simples condição de assalariados" (JUNGMANN, 1971: xv-xvi citado por LEVY, 1985:109-10). O aspecto social da sustentação de uma fração de classe ultrapassada está portanto por trás das políticas de financiamento da agro-indústria sucro-alcooleira. O CENÁRIO CAPITALISTA E AS CLASSES SOCIAIS Até o momento, a agro-indústria sucro-alcooleira tem sido beneficiada com a política corporativista de financiamento rural. Entretanto, devido ao som- brio horizonte que se abate sobre as finanças do Estado brasileiro é importante imaginar um cenário em que a agro-indústria sucro-alcooleira seja vista despida do protecionismo regulamentado pelo IAA. A primeira conseqüência da ex- pansão tipicamente capitalista - constante modernização e inovação tecnológica - é que a estrutura de classes sociais congelada desde 1933 será alterada. A fração de classe dos fornecedores de cana que hoje intermedia a produção agrí- cola da cana certamente cessará de existir, finalmente sofrendo o destino daque- les donos-de-engenho que desde 1870 abandonaram o campo e se tornaram membros da pequena burguesia urbana. Somente os maiores dentre os forne- cedores de cana, grandes proprietários de terra, teriam condições de sobreviver na atividade agrícola. Pequenos arrendatários e parceleiros, estes o "lumpen- proletariat" dentre os fornecedores, iriam para a lata de lixo da História. Também a maioria dos 250.000 cortadores de cana teria igual sorte, pois a racio- nalização da atividade canavieira implica em mão-de-obra competente, portanto especializada, e em mecanização da colheta da cana e seu transporte até a estei- ra da usina (DANTAS, 1965). Portanto, o mero emprego da força muscular do cortador de cana não tem vez numa atividade industrial moderna. Por outro la- do, membros da oligarquia usineira que sobrevivem apenas dos repasses do IAA, devido a sua baixa produtividade na fabricação do açúcar e/ou do álcool, deverão se fundir com outras usinas, ou desaparecer do cenário. Cad Umega Univ. Fed. Rural PE. Sér. Ci. Hum., Recife, (2) 47-52, 1988 Até agora o povo nordestino tem comprado açúcar e álcool por preço ex- torsivo. Por cinqüenta anos o contribuinte-consumidor 6 quem tem pago a con- ta de uma atividade agro-industrial deficitária totalmente regulamentada, corpo- rativisticamente, pelo Estado. Diante de um Estado conivente no repasse con- centrador de rendas - do povo em geral para uma oligarquia inadimplente - a transparência da participaçáo democrática implica na cobrança popular contra a transferência de renda dos mais humildes para uma fração de classe que sobre- vive apenas por serem intermediários corporativistas entre a usina e o campo. A política de financiamento rural deve deixar de ser função primordial do Estado, baseada em benesses e pressões políticas. Substituindo o papel de regu- lador corporativista da economia, herdado do Estado Novo de Vargas, o papel do Estado comprometido com o bem-estar popular é o de fiscalizar as relações econômicas, punindo abusos de poder econômico. ABSTRACT Fublic policies in the financing of the agricultural sector are inherent of the Fascist corporatism still prevailing within the brazilian State; such corporatism still envelops and regulates all econornic and to some extent the social relations of that country. The regulating role of the brazilian State in the expression of the Fascist philosophy inherited from Getulio Vargas 1930 Revolution and his 1937 Estado Novo dictatorship. As a practical example, this ariicle points at the economic regulation (State intewention) of the sugar and alcohol industry, whose legal corporatist embodiment is at the heart of the foundation in 1933 of the Sugar and Alcohol Institute (IAA), and the 1941 Estatuto da Lavoura Canavieira. NOTAS E REFERÊNCIAS 1 - FASCISMO - O fascismo tamb6m se caracteriza "por um crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado" (SACCOMANI, Ed- da. Fascismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Di- ciondr~o de pol~?ica. 2. ed. Brasflia, Ed. Universidade de Brasnia, 1986. p. 466). 2 - CORPORATIVISMO - Ludovico Incisa define o Corporativismo como "uma doutrina que pro- pugna a organização da coletividade baseada na associação representativa dos interesses e das atividades profissionais (corporações) ..." (INCISA, Ludovico. Corporat'ivismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. D~cronáno de politica. 2. ed. Brasflia, Ed. Universidade de Brasflia, 1986. p. 287). 3 - Ver o conceito de "longue durbe", de Fernand Braudel. 4 - "Vallauri afirma que o Corporativismo fascista 'nasce como exigência das classes dirigentes de uma sociedade que, com o passar de um estágio agrlcola a um estzigio de maior empenho in- dustrial, sentem necessidade de controlar a marcha da evoluç8o e de juntar em um fascio as Cad. bmega Univ. Fed. Rural PE. Ser. Ci. Hum., Recue, (2):47-52.1988 51 Até agora o povo nordestino tem comprado açúcar e aícool por preço ex- torsivo. Por cinqüenta anos o contribuinte-consumidor é quem tem pago a con- ta de uma atividade agro-industnal deficitária totalmente regulamentada, corpo- rativisticamente, pelo Estado. Diante de um Estado conivente no repasse con- centrador de rendas - do povo em geral para uma oligarquia inadimplente - a transparência da participação democrática implica na cobrança popular contra a transferência de renda dos mais humildes para uma fração de classe que sobre- vive apenas por serem intermediários corporativistas entre a usina e o campo. A política de financiamento rural deve deixar de ser função primordial do Estado, baseada em benesses e pressões políticas. Substituindo o papel de regu- lador corporativista da economia, herdado do Estado Novo de Vargas, o papel do Estado comprometido com o bem-estar popular é o de fiscalizar as relações econômicas, punindo abusos de poder econômico. ABSTRACT Public policies in the financing of the agricultural sector are inher^nt of lhe Fascist corporatism still prevailing within the brazilian State; such corporatism still envelops and regulates ali economic and to some extent the social relations of that country. The regulatng role of the brazilian State in the expression of the Fascist philosophy inherited from Getulio Vargas 1930 Revolution and his 1937 Estado Novo dicfatorship. As a practical exampk , this arlicle points at the economic regulation (State intervention) of the sugar and alcohol industry, whose legal corporatist embodiment is at the heart of the foundation in 1933 of the Sugar and Alcohol Institute (IAA), and the 1941 Estatuto da Lavoura Canavieira. NOTAS E REFERÊNCIAS 1 - FAS( ISMO - O fascismo também se caracteriza "por um crescente dirigismo estatal no âmbito de uma economia que continua a ser, funaamentalmente, de tipo privado" (SACCCWANl, Ed- da. Fascismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCl, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Di- cionário de política. 2. ed. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1986. p. 466). 2 - CORPORATIVISMO - Ludovico Incisa define o Corporativismo como "uma doutrina que pro- pugna a organizarão da coletividade baseada na associação representativa dos interesses e das atividades profissionais (corporações)..." (INCISA, Ludovico. Corporativismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCl, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1986. p. 287). 3 - Ver o conceito de "longue durée , de Fernand Braudel. 4 - "Vallauri afirma que o Corporativismo fascista 'nasce como exigência das classes dirigentes de uma sociedade que, com o passar de um estágio agrícola a um estágio de maior empenho in- dustrial, sentem necessidade de controlar a marcha da evolução e de juntar em um fascio as Cad. Ômega Univ. Fed. Rural PE. Sér. Ci. Hum., Recife, (2):47-52,1988 energtas do pats. a fim de alcançar resuliados mais eficazes, com menor dispêndio de meios, e poder competir com os mais poderosos organismos produtivos estrangeiros' " (INCISA, LUCIOVI- co. Corporativiçmo. h: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI. Ntcola, PASQUINO, Gianfran- co. Drcronárro de polltica 2. ed. Brasllia, Ed. Universidade de Brasflta, 1986. p. 289). BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI. Nicola; PASQUINO, Gianfranw. DicionáM de po/;t~ca. 2. ed. Brasíiia, Ed. Universidade de Brasilia, 1986. 131 8 p. DANTAS, Bento. A recuperação da lavoura canavrerra de Pernambuco com base no aumento da produtrvrdade e na ~ntensrfrcaçáo da pohcultura 2. ed. Recife, Cooperativa dos Ustneiros de Pernambuco, 1965. INCISA. tudovico. Corporativisrno. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de poltica. 2. ed. Brasilia. Ed. Universidade de Brasllia, 1986. p. 287-91. LEVY, Henrique. Maintaining class domination in the sugar area of Noflheast Brazil through State Inten/ention, U. S. Congress, and Ethanol Prograrn. College Park, MD., 1985. Doctor of Philosophy - Departament of Sociology of University of Maryland. LIMA SOBRINHO, A. J. Barbosa. Os fundamentos nacionars da pol17ica do açúcar. Rio de Ja- neiro, Graf. Rio-Arte, 1943. -. Problemas econ6micos e sociais da lavoura canavieira; exposição de motivos e texto do Estatuto da Lavoura Canavieira. Rio de Janeiro, P. de Mello, 1941. 132 p. MARTINS, Paulo H. N. Participação das elites açucareiras na polltica pernambucana: alguns cen8rios prováveis. In: LAVAREDA, AntGnio, org. A vitdria de Arraes. Recife, Inojosa, 1987. p. 63-81. POULANTZAS, Nicos. Politicalpower andsocial classes. London, Verso, 1973. 367 p. SACCOMANI, Edda. Fascismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gian- franco. D~cronárto de poltrca. 2. ed. Brasíiia, Ed. Universidade de Brasíiia, 1986. p. 466-75. SIMONSEN, Mário Henrique. O risco de optar pelo atraso. Veja, São Paulo, (997):24-35, out. 1987. TODARO, Michael P. Economic development in the oirrd world. 2. ed. New York, Longman, 1981. 587p. Recebido para publicação em 15 de dezembro de 1987. Cad. 0mega Univ. Fed. Rural PE. Sér. Ci. Hum.. Recife, (2):47-52, 1988 52 energias do país, a fim de alcançar resultados mais etrcazes, com menor Oispenaio de meios, e poder competir com os mais poderosos organismos produtivos estrangeiros' " (INCISA, Ludovi- co. Corporativismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTtUCCI. Nicola; PASQUINO, Cnantran- co. D/t lonáno de potítica. 2. ed. Brasília, Ed. Universidade de Brasma, 1986. p. 289). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Giantranco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1986 1318 p. DANTAS, Bento. A recuperação da lavoura canavieira de Pernambuco com base no aumento da produtividade e na intensificação da policullura. 2. ed. Recife, Cooperativa dos Usineiros de Pernambuco, 1965. INCISA, Ludovico. Corporativismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília, Ed. Univers dade de Brasília, 1986. p. 287-91. LEVY, Henrique. Maintaining class dommation in the sugar area of Northeast Brazil through State Inlervention, U. S. Congress, and Ethanol Program. College Park, MD, 1985. Doctor of Philosophv - Departament of Sr ciology of University of Maryland. LIMA SOBRINHO, A. J. Barbosa. Os fundamentos nacionais da política do açúcar. Rio de Ja- neiro, Graf. Rio-Arte, 1943. —. Problemas econômicos e sociais da lavoura canavieira; txposiçâo de motivos e texto do Estatuto da Lavoura Canavieira. Rio de Janeiro, P. de Mello, 1941. 132 p. MARTINS, Paulo H. N. Participação das e'ites açucareiras na política pernambucana; alguns cenários prováveis. In: LAVAREDA, Antônio, org. A vitória de Arraes. Recife, Inojosa, 1987. p. 63-81. POULANTZAS, Nicos. Political power and social classes. London, Verso, 1973. 367 p. SACCOMANI, Edda. Fascismo. In; BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gian- franco. Dicionário de política. 2. ed. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1986. p. 466-75. SIMONSEN, Mário Henrique. O risco de optar pelo atraso. Veja, São Paulo, '997):24-35, out. 1987. TODARO, Michael P. Economic development in the third wortd. 2. ed. New York, Longman, 1981. 587 p. Recebido para publicação em 15 de dezemoro de 1987. Cad Omega Univ. Fed. Rural PE. Sér. Ci. Hum., Recife, (2): 47-52,1988